sexta-feira, 25 de novembro de 2005

As Parteiras tradicionais e a realidade da violência contra as mulheres

Poderíamos refletir longamente sobre por que a violência, especificamente a física, contra as mulheres é maior nos centros urbanos se comparadas à realidade do campo. Não se trata de que os homens campesinos sejam menos machistas, a questão é que as mulheres campesinas têm mais atitude e menos “constrangimento” de expor sua vida privada.

Acostumadas ao isolamento e solidão decorrentes da exclusão social, essas mulheres desenvolvem mecanismos de solidariedade e auto-ajuda em sua pequena comunidade. Lá, no interior rural do País existe mais autenticidade e menos hipocrisia nas relações familiares e afetivas. Se o homem é bêbado, ele é e pronto; não se esconde esse fato. Se o homem tem hábito de espancar a mulher, não se tranca portas e janelas para o ritual da violência. Mulheres e crianças gritam, correm para o terreiro, fogem. Vizinhos tentam ajudar a mulher espancada e as crianças. E o homem, no dia seguinte, está cabisbaixo envergonhado do que praticou, embora não seja a primeira nem a última vez.

É nesse contexto que a Parteira Tradicional assume seu papel de liderança comunitária e faz sua intervenção diretamente junto ao agressor. Diferentemente de como se diz na cidade “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, a Parteira mete sua colher sim, acolhendo a mulher e as crianças e chamando a atenção do agressor, ameaçando levá-lo à polícia e alertando sobre a possibilidade de perder sua família. Por um bom tempo o fato não se repete. O problema é que esse comportamento termina sendo um círculo vicioso exclusivamente por falta da presença do estado enquanto protetor das leis e estruturador dos equipamentos sociais. Sem a presença e ação do estado de direito, nem Parteiras, nem outras lideranças ou as próprias mulheres podem efetivar soluções.

Em 2003, o C.A.I.S. do Parto desenvolveu em parceria com o Programa de Apoio a Projetos em Sexualidade e Saúde Reprodutiva (PROSARE) o projeto “Parteiras pela Paz” nos Estados do Amapá, na Região do Baixo Amazonas do Pará e em Pernambuco. Foram capacitadas 150 Parteiras Tradicionais para organizarem núcleos de Parteiras pela Paz em suas regiões. A metodologia facilitava para que as participantes identificassem a origem da violência sexual e doméstica localizando em suas famílias desde a ação mais remota possível até como contemporaneamente se reproduz e perpetua esse comportamento.
Foram encontros com suas próprias realidades e a percepção da ausência de políticas públicas e equipamentos sociais para a transformação dessa perversa realidade a que mulheres e crianças estão submetidas.

Em nosso dia a dia no C.A.I.S do Parto atuamos diretamente com casais grávidos desenvolvendo metodologia que facilita a compreensão das desigualdades nas relações de gênero e oportuniza as mudanças a partir da gravidez, de como pai e mãe vão orientar seu filho ou filha em relação aos papéis do homem e da mulher na sociedade. Igualmente, refletimos sobre os prejuízos que a hegemonia de um determinado sexo em detrimento do outro causa para toda a humanidade.

Participamos da campanha dos 16 dias de luta contra a violência contra a mulher coordenada pela AGENDE-DF, em que envolvemos todos os nossos públicos; além das Parteiras através da Rede Nacional de Parteiras Tradicionais, jovens adolescentes dos nossos projetos e casais grávidos do grupo de trabalho que se reúne semanalmente em nossa sede.

O tema gênero é transversal à todas as atividades e projetos da entidade portanto, estamos permanentemente na luta pela erradicação da violencia contra a mulher, violencia sexual e doméstica revendo conceitos, valores intra familiares e códigos sociais.

Por Suely Carvalho, Parteira Tradicional, fundadora do C.A.I.S do Parto e coordenadora da Rede Nacional de Parteiras Tradicionais.

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